O texto abaixo foi publicado na Zero Hora do dia 18/10, na página 4, vale a leitura e vale uma reflexão...
24/7
O comércio online tornou corriqueiros os serviços “24/7” (24 horas por dia, sete dias por semana). No Brasil, inventaram o tal “banco 30 horas” (24 horas por dia em casa, seis na agência).
Além da aritmética maluca – do tipo que se vê muito em tempos de eleição –, o slogan sempre me soou como uma espécie de profecia maldita, uma aterradora distopia bancária em que os dias teriam seis horas a mais, mas em vez de passear, namorar ou ficar de papo com os amigos, usaríamos todo esse tempo extra apenas para conferir extratos, pagar contas e ler eletrizantes brochuras sobre seguros de vida e títulos de capitalização.
Talvez as relações humanas estejam passando pelo seu momento “banco 30 horas”. É certo que os humanos foram programados para conviver uns com os outros – mas não 30 horas por dia, nem com tantas pessoas ao mesmo tempo. Amizades e relações casuais estão sofrendo um processo de sobrecarga extrema nesse convívio 24/7. Na intensa convivência das redes sociais, é como se reproduzíssemos, com pessoas que mal conhecemos, um nível de intimidade e troca de informações diárias antes reservado apenas à família, aos amigos muito próximos e aos amantes.
Moramos todos na mesma rua, e todas as janelas estão sempre abertas umas para as outras. Nos casos em que a afinidade não é eletiva, como nas relações familiares, já não podemos evitar alguns temas delicados. Eles estão todos lá, sobre a mesa, expondo diferenças muitas vezes irreconciliáveis que bem poderiam ficar em repouso pelo menos entre um Natal e outro.
Somos todos, sem exceção, cheios de manias e hábitos esquisitos. Nossas opiniões nem sempre são tão embasadas em fatos inquestionáveis quanto gostaríamos de acreditar e somos muito mais preconceituosos e egoístas do que estamos dispostos a admitir publicamente.
Na vida cotidiana, com amigos e familiares de carne e osso, o que torna a intimidade suportável é o afeto. Vindas de quem a gente gosta, até as pequenas bobagens do cotidiano têm lá seu interesse – e o resto é ruído. Ainda assim, não deveríamos exigir de nenhum tipo de relacionamento, nem mesmo os mais íntimos e duradouros, um atendimento modelo banco 30 horas, sem intervalos ou pausa para refresco.
Talvez a intimidade entre pessoas que mal se conhecem, assim como a convivência virtual excessiva entre pessoas que realmente se gostam, não sejam mesmo naturais – ou talvez isso exija de nós algum tipo de evolução adaptativa. Por enquanto, essa conexão permanente parece ser uma das muitas causas das explosões de raiva e intolerância que se veem nas redes sociais todos os dias, especialmente em uma época de ânimos exaltados como o período de eleições.
Nesse ambiente em que uma palavra mais dura não é amenizada por um toque ou um olhar, as primeiras vítimas são as relações mais frágeis e descartáveis – o que, de certa forma, diminui o ruído em volta. O risco é perdermos, por excesso de exposição, aqueles amigos que poderíamos manter por toda a vida – desde que não tivéssemos que vê-los e ouvi-los 24 horas por dia, sete dias por semana.